quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Sonho que deu origem à poesia e à música: Portas Fechadas


Sonho das Portas Fechadas.

Thiago Rodrigues de Souza.


No sonho eu acordo num lugar muito alto, estava sozinho dormindo em cima de uma caixa d’água de concreto gigantesca que fica no bairro Pacheco em Ilhéus. A forma arquitetônica da caixa d’água é única: lembra um disco voador de concreto em forma de octógono suspenso a 100 metros de altura por quatro colunas de concreto, com uma escada em espiral entre as quatro colunas. É uma noite silenciosa e melancólica (ao menos é esse o sentimento que eu tenho quando acordo no sonho). Olho curioso pra baixo e não vejo um ser vivente sequer, ainda olhando pra baixo ouço o chirriar de corujas inquietas e penso nisso como um presságio, olho pro alto e não vejo a Lua sinto-me mau por isso. Olho em seguida para o horizonte da cidade e ouço uma voz feminina que rasga o silêncio, o tom da voz é de clamor, mas não consigo identificar nem entender as palavras que a voz expressa. (Não sei ao certo se eu não compreendia o que a voz dizia ou se eu ao acordar não consegui lembrar, mas o tom de clamor é nítido em minha mente até agora).
Sinto-me realmente curioso e perturbado com aquela voz, que não era um grito de socorro nem uma voz desesperada frente ao perigo eminente, era como um canto lamurioso que realmente me atraiu como um imã. Olho para cima é ainda não vejo a lua, o que me causa mais aflição. Desço rápido, mas não correndo, as escadas da caixa d’água e chego à rua de paralelepípedos assimétricos, a noite está muito escura, uma penumbra densa que revela de forma tísica as silhuetas dos entes de concreto em meu caminho. Sigo eufórico e perturbado a voz, tateando pela penumbra sem lua, uma neblina rala ofusca mais o meu caminho guiado pela voz lamuriosa.
Depois de caminhar, às cegas, por algum tempo, chego aos portões da Catedral da Piedade em Ilhéus, encontro o cadeado do portão aberto e a voz está mais alta e vindo lá de dentro, fico apreensivo em entrar, mas sou acalentado por um impulso juvenil e me sinto impelido a entrar. A primeira coisa que meus olhos vêem é escuridão e um corredor gigante cheio de portas fechadas, paredes altíssimas e janelas imensas com vitrais, tudo está muito escuro e eu não consigo ver os desenhos dos vitrais. (Nunca entrei na Catedral da Piedade e não tenho idéia de como possa ser o seu interior) Entro tateante e sigo a voz que não para de me atormentar fazendo com que dois sentimentos se mesclem: curiosidade e medo. A escuridão me mostra no corredor varias silhuetas em movimento e não consigo distingui-las, são muito estranhas para minha compreensão. A voz vai ficando mais alta e nítida, mas ainda não consigo identificar as palavras ou entender o que esse canto lamurioso diz.
Fico curioso com as portas e toco com o ouvido uma delas, escuto coisas atrás da porta: vozes, gemidos, confusão, risadas, palavrões, brigas, barulho, estrondos. Percebo depois que em todas tem barulho e confusão. Mas não consigo abrir nenhuma das portas, todas estão trancadas. Tateio no chão perto às portas pra ver se consigo encontrar alguma chave, mas não encontro nada. Continuo seguindo por entre as portas e consigo perfeitamente distinguir entre a voz que eu estou seguindo e os barulhos que vêm das portas. Eu fico angustiado por que o corredor não termina e o escuro me faz tremer a espinha, até que eu sento em frente a uma das portas e me ponho a lamentar também tentando imitar a voz que eu estou seguindo e consigo deixar as duas vozes em uníssono. Isso me causa espanto e angustia. Sentado com meu desespero vejo ao longe vinda de cima um feixe de luz que entra pelos vitrais e percebo que é a luz da lua, que clareia parcialmente o corredor e revela os desenhos dos vitrais. A imagem é aterradora: nos vitrais tem a forma em mosaico colorido de dois anjos, um branco com asas negras e um negro com asas brancas, ambos estão sendo traspassados, empalados, com uma estalagmite que nasce do chão, a ponta da estalagmite traspassa das costas ao abdômen, na altura do umbigo, dos anjos. Dois anjos deitados e traspassados, um em cada estalagmite, um de frente para o outro. Ambos não tinham faces definidas, eram como borrões as faces, mas pela posição dos braços e das pernas estavam vivos e em agonia atroz. Percebo com detalhe que faltava uma asa de cada, ou seja, ambos tinham apenas uma asa. Olho mais um pouco aquele desenho “Danteano” e percebo que não eram os anjos que estavam sem uma das asas mais o vitral que estava faltando um pedaço em ambos os lados. Em todos os vitrais tinha o mesmo Desenho e todos estavam faltando às mesmas partes.
Com a visão dos vitrais iluminados pela luz da lua, começo a ter espasmos nervosos e artísticos começo a correr em êxtase para os lados batendo-me nas paredes e nas portas. Até que nessa confusão solitária e regida pela voz lamuriosa e a luz da lua, vejo por entre uma das portas um feixe de luz que revela que só aquela porta estava entre aberta, coisa que antes não tinha visto. Vou devagar e com a mão abro devagar a porta que faz um barulho irritante e revela minha presença. Ao abrir vejo um grande salão vazio só com uma penteadeira antiga com um grande espelho e uma mulher ruiva com um penteado do século XV ou XVI, o penteado bem armado com jóias segurando a armação do cabelo, um longo vestido verde, pesado e cheio de detalhes. E na parte de cima do busto nada, nua, com seios fartos e um pouco de barriga como eram pintadas as mulheres no auge do Romantismo.
Ela está sentada frente ao espelho e não olha para trás pra me ver, mas sim me vê através do espelho e eu vejo seu rosto e seus seios através do espelho também. Fico atraído por sua beleza vertiginosa, mas não consigo falar nada pra ela, não que eu não queira ou não tivesse o que falar, mas por que eu me sentia sobrenaturalmente mudo, ela espera ainda algum tempo, como se eu estivesse em torpor diante daquele ser belo e obscuro, olhando pelo espelho nos meus olhos. Até que ela aponta para a parte escura do salão, levantasse ainda de costas sem olhar para mim e segue andando lentamente para o mesmo canto escuro. Fica impossível de vê-la ou ouvi-la. Todo o salão começa a ficar escuro novamente e a escuridão chega até mim e cobre-me por completo olho pra cima e não vejo mais sinal da lua.
(Eu acordo no escuro sem saber onde eu estou até que lembro e acendo a luz. Não consegui mais dormir essa noite).


SÍMBOLOS JUNGUIANOS IDENTIFICADOS.

- Caixa d’água.
- Altura.
- Voz de clamor feminina.
- Busca da voz, sozinho na noite e na neblina.
- Catedral.
- Corredor com portas fechadas.
- Barulho de confusão através das portas.
- Escuridão.
- Procura das chaves no tato e no escuro.
-Vitrais no escuro.
- O surgimento da lua.
- Espasmos artísticos de euforia.
- A pintura aterradora dos Vitrais.
- Vitrais incompletos.
- Vitrais repetidos.
- A lua revela uma porta aberta
- Mulher estranhíssima que olha através do espelho.
- Fuga da mulher para o escuro.
- Deslocamento da Lua.
- Aglutinação do escuro novamente em todo o ambiente.
- Despertar real em escuro real.

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