quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Poemas do Livro: Catedrais Suspensas


RENASCER DAS CINZAS

Meus olhos exaustos escarnecem dos meus sentidos.
O sono surge para enfraquecer meus membros viris.
As chamas dos meus sonhos vêm consumir meus medos,
Transformando em cinzas as minhas lembranças mais vis.

Para tornar, todos os dias, a mente ilesa e incorruptível,
Deve-se entregá-la às chamas vivas das entranhas de Oniro,
E deixar a legião dos sonhos queimar o que há de deplorável.
Dessas cinzas nós renascemos a cada despertar do abrigo.

Sábios são os que mergulham nas chamas profundas do sonho.
Revigorados são os que renascem das próprias cinzas noturnas.
Afortunados são os que ainda têm o que queimar da vida diurna.

Como a imortal ave dos gregos, faço das chamas meu esteio.
Queimando noite após noites os fantasmas cruéis da minha mente.
Das cinzas, renasço uma criança e saio do antigo armário dos entes.

Thiago Rodrigues.

VISÕES.

Uma criança escondida num antigo armário.
A noite é longa e há medo em suas pupilas medonhas.
Num corredor entre a penumbra e sombras estranhas.
Lá fora a lua cheia escala as frestas do santuário.

A criança vê uma mulher com a face mutilada.
E cavalheiros que circulam a mulher em real agonia.
A escuridão tem suas próprias regras de lobotomia.
Deixando a criança estática, pálida e com a língua embolada.

Seria a morte tentando seduzir minha tenra infância?
Ou seria a mente tentando surrealizar minha inconstância?
As chaves do antigo armário estão costuradas nas respostas.

Estudos clínicos podem te confortar ou lhe assombrar.
Um drink num bom bar pode fazer a mão tremula parar.
Mas não vão tirar a criança do escuro, onde ela está.

Thiago Rodrigues.



TERRA DO NUNCA

Numa terra de antigos coronéis e prostitutas de luxo.
Um paraíso da costa-sul erguido por tocaias e ruínas.
Eles entram nas sombras das catedrais, escalando o lixo.
Com seus tubos de cola e armas ocultas nas esquinas.

Passam a noite à procura de um líder que os salvem,
Dos labirintos insanos das suas mentes anestesiadas.
São imunes à polícia, mantendo a idade como refém.
Enquanto os burgos revendem as suas cheiradas.

Quando o sol nasce para irritar as criaturas noturnas.
Corpos dormem no chão frio dos bancos centrais.
Na terra do nunca algumas noites são perturbadoras.
Abrem os abismos e surgem errantes almas ilegais.

Peter Pan esteve aqui hoje, ano que vem virão outros mais.
Anunciou à cidade que ia chegar com cobertores e orações.
Em casa o natal foi farto e o filisteu vai dormir em paz.
Mas os garotos perdidos ainda estarão nas sombras das aberrações.

Thiago Rodrigues.





BOMBA RELÓGIO

Sua família o odiava, isso foi o fósforo branco.
Os amigos o condenavam, isso foi o estopim.
A polícia o caçava, ele tinha uma imagem ruim.
A nitroglicerina foi um professor moralmente manco.

Como um coquetel molotov com o pavio no fim.
Como granadas de contato em um velho trem.
Um garoto sangrando pelas úlceras de alguém.
Enquanto espera enjaulado à beira de um motim.

Esta bomba relógio está com o cronômetro quebrado.
A dor e a masturbação mental queimam o pavio marcado.
Ele está pronto para explodir todos os que dormem.

Eles tentam domar o garoto deixando em ruínas o seu refúgio.
Eles vão drogar o garoto por que é uma bomba relógio.
Eles vão violentar o garoto antes que cresça e vire um homem.

Thiago Rodrigues.




ESPORRO DA MUTILAÇÃO

Caçando um bom bar, não encontro o meu norte.
Há sangue nos meus braços e dores muito fortes.
Eu quero um drink de cólera e uma trepada cheia de cortes.
Comprimidos pela cama, jogando cartas com a morte.

Dançando, pelas sombras, na fronteira da sanidade.
Garota, se tiver o fôlego, eu tenho sua doença.
Pule no jogo agora, eu não tenho mais paciência.
Se tiver maus hábitos, não me importa sua idade.

Você não terá pra onde ir, se a sua endorfina baixar.
Você não pode fugir, vai precisar, com afinco, encontrar.
A sobrevivência te levará ao esporro da mutilação.

Seu subconsciente tentará suplantar a dor mental com a dor física.
Seus braços ardem e sua mente se acalma sentindo a música.
Na grande orquestra interna que nasce após o esporro da mutilação.


Thiago Rodrigues




ROSA COM LARVAS

Leia, sereia sedenta, esta oração que deve ser engolida.
Tire a bela máscara de porcelana e verá algo que perece.
Atirada de volta para as sombras é mais do que você merece.
Ache as entrelinhas, desse poema, no meio de uma fudida.

Ela atirou os seus tentáculos longos, podres e sifilíticos.
Você quer alcançar, como uma criança, o céu;
Mas saiba que estará novamente no banco dos réus,
Por oprimir almas e levá-las ao exílio em estado crítico.

Neste jardim necrótico até as aves são enfermas e mudas.
Você pode mergulhar no surreal e achar que está por cima.
Mas não vai te deixar ilesa da minha mudança de clima.

Não há saída pra o seu borderô de experiências imundas.
Está na hora de amarrá-la com seu amor de bruxa na fogueira.
E chutar pra bem longe suas sequelas e de suas herdeiras.


Thiago Rodrigues




UÍSQUE, ESFINGES E CRIANÇAS

Das alcovas estórias de uísque, esfinges e crianças no fim.
Nas colinas as crenças não morrem à margem do rio.
Das Janelas ocultas, crianças lamuriam pra lua no frio,
Em castelos insanos cobertos por pilhas de marfim.

Lá não há professores e os mentores estão pra nascer.
Meu uísque, uísque, uísque... não encontra o perdão.
Da infância perdida no tempo da altercação.
As crianças não queimam os olhos no alvorecer.

Num salão de sobrado com cortinas vermelhas carmesim.
As meretrizes estão a beber e os bastardos nos portões.
Subjugaram-nas a morrer e servem vinho aos anfitriões.

A festa carnavalesca das libertinas nuas com pele de cetim.
Domam, os coronéis, com seus dentes castigados pelo bruxismo.
E tentam descansar gerando os bastardos do maxismo.


Thiago Rodrigues.





ADEUS.

Você já estará no limbo tentando encontrar a porta de saída.
Esta cortina de fumaça não vai curar seu coração cortado.
Nem te esconder dos malditos fantasmas do passado.
Então discorde rápido que sua mente já foi muito despida.

Sairei antes do alvorecer e te deixarei entre os lençóis.
Eu conheço seus olhos e decifrei seus reflexos lentos.
Você dormiu e as regras do seu jogo ficaram aos quatro ventos.
Mas você já viu isso antes e sabe que não existe “nós.”

Eu disse adeus quando achou que era eterno.
Você saiu dos trilhos e escalou minhas densas memórias.
Como alguém procurando abrigo no desconhecido da história.

Eu disse adeus quando queria me jogar no inverno.
Minha ampulheta de paciência não tem mais areia pra correr.
Rasgarei meu contrato, pois não tenho mais nada a perder.


Thiago Rodrigues




AMANTE CRUEL

Tenho transado dias com você, oh amante cruel!
Sua carne é fria e não responde a nada com decência!.
Não revida o carinho, nem ao menos revida à violência.
Sua boca é o poço dos amaldiçoados que bebem fel.

Sua língua é calidamente áspera e mutila tudo que toca.
Quem vê sua face, reverbera em encostas frias e escuras,
E não importa o que se faça, não terá saída das conjecturas.
Perder, tremulamente, o fôlego é beijar sua espinhosa boca.

Ela tem sido musa de muitos dos meus dias conturbados.
Sua inspiração é única para os que não dormem há dias.
Seus olhos refletem a vivacidade nua das piores manias.


Seus braços de mármore, acalento para os excomungados.
No colo dela descansa o mais avernoso dos tormentos.
Oh solidão! Tu sempre ouves, muda, os meus lamentos...

Thiago Rodrigues.




1 MINUTO

Estou pelado no escuro, mais uma vez,
Tão só quanto algo que ainda não nasceu.
Respirava apenas as cinzas da minha calidez.
Meus braços eram queimados, pela toxina do fel.

Precisava solenemente permitir-me só um minuto;
Para tentar descansar a minha cabeça onusta.
Minhas mãos tremem sem sentir o absinto,
Que talvez fosse uma cura altruísta.


A Felicidade é como quimera pra mim,
Não tenho consciência a idílicas visões.
A melancolia inspira-me à certeza de um fim,
Como correntes rasgando as peles em altercação.

Anjos selados pela luz, transando na escuridão.
Mais um minuto, terá disritmia o suficiente;
Para criar a obra-prima sobre ascensão;
Saída dos labirintos frios da mente.

O meu mundo foi erguido e sustentado,
Com imaginário lúdico e visões confusas,
Consegui mantê-lo escondido e em bom estado,
Só que eles o acharam e queimaram minhas obras.

Cuspiram sobre minhas ilusões e me deixaram nu,
À beira do frenesi atroz dos mortais no cio.
As vendas me queimam e me tornam um réu.
Preciso de um minuto, com o silêncio.


Thiago Rodrigues.



CATEDRAIS SUSPENSAS

Em minha mente escondem-se catedrais suspensas.
Templos inconstantes de visões intensas.
Arranquei do rosto as muitas máscaras sociais.
E com a alma nua, invadi pelas sombras as catedrais.

Lá vertem lustrais límpidos e soam mórbidas harpas.
Que transam para revelar anjos mortos em estacas.
Há iconoclastas furiosos à espreita para devastar.
As imagens dos meus sonhos que pintei nas paredes deste lugar.

Muitos trovadores pereceram entre visões surreais.
Suas guitarras ainda choram nas lápides dos poetas imortais.
Almas sem medo e viúvas do tempo profano.
Que na escolha de suas obras não conhecem o engano.

Mas não tropece ao usar a chave de saída após a sentença.
Ou estará cego nos labirintos tortuosos das catedrais suspensas.
Mantenha seus demônios presos em longínquas esferas.
E com passos distantes sobreviva a muitas primaveras.


Thiago Rodrigues




CAVALEIROS DO APOCALIPSE

Eu vi tribos e nações derramarem sangue em trincheiras.
Vi espadas longas e o som que elas fazem entre costelas.
Minha língua tem gosto de cortes, eu respiro violência.
Alimento-me de agonia de órfãos e viúvas em decadência.
Sigo impune inflamando cúpulas de lideres do governo.
Enquanto a religião apóia meu delicioso jogo sádico.
Muito prazer eu sou a guerra.

Eu levo os dados de incerteza, tenho na manga as falhas de comunicação.
Eu danço com a entropia rasgando as leis e queimando a sua constituição.
As crises econômicas e o desespero do homem são meus ensaios.
Corrupção é meu sobrenome, e os corruptos meus fieis lacaios.
Desordem é minha inspiração e o descontrole meu aliado.
Muito prazer eu sou o caos.

Eu carrego uma balança desigual, meu corpo é um risco.
Meu cavalo é rápido e letal, eu me espalho como um vírus.
As pragas e secas devastadoras são minhas companhias.
Desfilo entre crianças famintas só por satisfação e mania.
Suspiro com a deformação do homem pobre sem o alimento.
Meu prazer é ver as úlceras da incompetência dos famintos.
Muito prazer eu sou a fome.

Entre lápides e mausoléus, toco minha harpa antes de sair.
Meu prazer é sádico e eu o faço, como uma arte, sem dormir.
Vi diversas formas de extrema unção, por padres impertinentes.
Gosto dos assassinos e suicidas, apesar de estarem em pólos diferentes.
Cedo ou tarde te farei uma visita fúnebre, baterei a sua porta e direi,
Muito prazer eu sou a morte.

Thiago Rodrigues



QUIMERAS NOTURNAS.

O aroma da noite me convida para sair e desvendá-la.
Nas ruas inchadas de dezembro, eu esquivo das pessoas.
Todas olham pra mim, mas eu só vejo borrões e máscaras.
Ouço uma voz leve e sussurrante e vou tentar encontrá-la.

Sigo o clamor até uma praça pública que está deserta,
Aproximo-me da bela estátua de Sapho, a poeta grega.
Escalo até o acalento do seu colo como uma criança cega.
Sinto que o frio dos lábios de mármore carrara desperta.

Paixão, ereção, fascínio, carinho materno e torpor pelo belo,
Todos eles passam um a um diante dos meus vis sentidos.
Eles mesclam-se gerando, aconchegantes, espasmos nervosos.

Eu posso sentir algo correr nas veias da estátua de Sapho.
Eu entro em torpor diante da beleza mórbida e imortal.
Então eu saio, deixando Sapho e o ser em seu colo Nupcial.


Thiago Rodrigues.




IMORTAIS.

A carne humana definha no tempo como as sobras.
Então desejei dois caminhos que me deixaram acre-doce:
Ser abraçado por um dos personagens sombrios de Anne Rice,
Ou imortalizar minhas amadas filhas do crepúsculo: minhas obras.

Nunca foi fácil para eu acreditar em vida após a morte.
Mais fácil seria ter pintado o rosto do próprio Dorian Gray.
O que se faz neste mundo pode perdurar no evo, disso eu sei!
Então darei às minhas obras o que não posso ter carnalmente.

Jorge Amado não é mais tangível, mas eu ainda vejo “Gabriela”.
E suas peripécias por todas as esquinas da “princesinha do sul”.
A obra é mais longeva que a matéria e tem a expansão do céu azul.

Os imortais tropeçaram um dia nessa percepção de sentinela.
Negaram a corrida absurda para conservar a carne que perece.
Dando a uma obra-prima a verdadeira atenção que ela merece.


Thiago Rodrigues.



O OUTRO LADO

As cabeças, hoje, estão viradas pra você.
As pessoas te reconhecem pelo pavor.
Há olhos insanos querendo seu sangue doce.
As farpas de comunicação estão presas à sua dor.
Você está no outro lado da noite.

Em que espelho noturno você atravessou.
Sua serotonina disse adeus e partiu.
Você dormiu e a inspiração passou.
Os sinais bateram na porta e você não ouviu.
Você encontrou o outro lado da arte.

Suas cicatrizes internas estão todas abertas,
E você não tem fôlego nem para assoprar.
Encontre um esconderijo, só seu, em sua mente.
Pois a morte com você, essa noite, irá dançar.
Estará no outro lado dos seus cortes.

Existe uma guerra comportamental sem idade,
Que levará a um súbito e perigoso efeito dominó.
Sua alma chora diante de suas duas personalidades.
Mesmo sem outras pessoas, você nunca mais estará só.
Você despertou o outro lado da sua mente.

Thiago Rodrigues.




O ESTETA.

Eu sou o dândi que bebe na penumbra, o trovador que entretém a morte e o progenitor remanescente dos inconstantes.
Eu sou o surrealismo no olhar dos que lamuriam,
 o expurgo hostil no colo dos iconoclastas.
Eu sou o traço trêmulo de uma criança em sua primeira criação!
Eu sou o genocídio dos ignavos, o suicídio dos pusilânimes.
Eu sou o assassino dos inertes e a angústia dos imortais.
Eu sou a força irascível dos acorrentados.
Eu sou a fleuma dos enclausurados e as máscaras dos sobreviventes.
Eu sou o orgasmo artístico diante de uma obra-prima, o frenesi de uma canção!
Eu sou os cortes de um visionário, as mutilações que impedem o suicídio.
Eu sou o sonho que ganhou vida pintado em óleo sobre tela.
Eu sou a dor reprimida em versos, a libertação doentia dos estripados,
 o sussurro dos excomungados.
Eu sou a orgia das inspirações, a dispneia dos filisteus, o silêncio violado!
Eu sou o ranger de dentes das almas que ficaram viúvas de arte.
Eu sou a cacotanásia dos estúpidos e o livre-arbítrio dos burladores.
Eu sou a arquitetura filosófica dos sedutores.
Eu sou o que flana na chuva, o que derrama lágrimas de reflexão
 e o que se perde nas nuvens da contemplação.
Eu sou a lança de Aquiles, a lira de Orfeu e a paixão de Ulisses.
  Eu sou a coluna de Frida Kahlo, a automutilação de Van Gogh
e o auto-retrato de Francis Bacon.
Eu sou o belo, o sublime e o grotesco.
Eu sou a poesia da existência.
Eu sou o cinzel da estética.
Eu sou a obra de arte que não lucrou!
Eu sou um esteta.
Um esteta eu sou...

Thiago Rodrigues.





MAR DE SANGUE

No mais belo dos litorais escondem-se histórias bárbaras.
As águas límpidas do mar de Ilhéus ainda têm o gosto das dores.
A costa sul foi banhada pelo sangue irascível dos nadadores.
Guerreiros vorazes que queriam tirar suas amarras.

As águas do cururupe ficaram vermelhas como o carmesim.
O som híbrido do mar não pôde suplantar o clamor e o torpor.
Muitos nadaram em desespero, condenados pelo executor.
Ilhados pelos barcos de Men de Sá foram dizimados no mar.

Um silêncio desolador nasce depois do último fôlego de agonia.
O mar de sangue expurga de si os corpos flagelados pelos cortes.
Quilômetros de corpos enfileirados, como troféus, na praia da morte.

Seqüelas incalculáveis que acorrentaram um povo à fobia.
Os livros de história, carregados de amnésia, perdem os fatos mentores.
Um dos alicerces sangrentos da história foi o massacre dos nadadores.

Thiago Rodrigues.




CIDADE DE FANTASMAS E RUÍNAS

Eu me sinto revigorado no seio dos meus domínios.
A cidade que respira por entre fantasmas e ruínas.
O salito e o tempo esculpem o abstrato nos edifícios.
Os fantasmas indígenas espreitam as catedrais antigas.

Os velhos salões e galpões de cacau abandonados,
Guardam as criaturas noturnas e as lendas da origem.
O lar das sombras e das lembranças dos deserdados,
Que encontraram a bruxa com sua vassoura selvagem.

Nadadores errantes caminham perdidos pelas praias noturnas.
Fantasmas sem lar que não conseguem sair de perto do mar.
Almas que ainda tentam fugir, nadando, dos barcos de Men de Sá.

A princesinha do sul envelheceu com as suas lendas de fortunas.
Hoje ela é uma vovó com um baú cheio de histórias pra contar.
Em seu colo eu adormeço em paz e não tenho pressa de acordar.

Thiago Rodrigues.




NICTOFOBIA

A escuridão é um labirinto de sombras em movimento.
Os olhos pesados de sono pedem pra dormir em paz.
As visões distorcidas do escuro dão origem ao tormento,
Numa guerra entre os monstros de uma imaginação voraz.

A penumbra fosca confunde a mente como por encanto.
Um mundo surrealmente abstrato nasce libertando o pavor.
O breu sufoca e apavora algumas crianças, com seu manto.
Paralisando a alma e esculpindo, nas faces, a expressão de horror.

Neste aspecto eu encontro o meu paradoxo quimérico.
Pois tenho verdadeiro fascínio pela noite e amo a escuridão.
Mas se meu frágil sono encontrar o escuro, eu caiu em aflição.

Assim sigo minhas noites à luz de velas ou de genéricos.
Respeitando a escuridão que tanto me apavora e me alivia.
Esse é o sentimento daqueles que compreendem a nictofobia.

Thiago Rodrigues.



PORTAS FECHADAS

Acordei no alto da antiga caixa d’água de concreto em Ilhéus.
Ouvi a sua voz, de longe, em um tom agudo como o clamor.
Não importa a distância, vou desvendá-la arrancando-lhe os véus.
Acharei você por entre aqueles que jogam cartas com a dor.
Isso simplesmente vai, no âmago, embriagar-me em anestesia.

Então eu ando pelas ruas à noite apenas tentando ficar bem.
Pois nada de valor estará a um palmo dos meus olhos cansados.
Por entre portas fechadas eu seguirei só a sua voz e acharei alguém,
Nesse corredor sem fim seguiremos por caminhos desmarcados.
Derrubarei as portas como um nefilim em melancolia.

Sigo o corredor da catedral por entre os quadros e as portas fechadas.
Não consigo digerir o que vejo atrás das portas escuras e cinzas,
Salas deformadas pelos excessos das pessoas que brigam de mãos atadas.
Mas há uma fresta de luz, no final do corredor, que me hipnotiza.
Sigo até o foco de luz deixando para trás as portas da acatalepsia.

Nessa imensidão repleta de portas sedentas pelo desperdício,
Que perturbam minha mente e consomem minha alma vez após vez,
Mostrando minhas fraquezas que talvez sejam meus cálidos vícios.
Arrastando-me além da sensatez para desvendar os enigmas da embriaguez.
Para só assim encontrar você com as roupas que descrevem está poesia.

Thiago Rodrigues.




POEIRA E OSSOS.

Todos trataram como uma aposta quando não passou de um jogo.
Mas eles saberão quando virem suas saídas todas pegando fogo.
Então você tentou fugir do padrão e mergulhou na escuridão.
Mas o tempo não foi seu amigo e sangrou seu virtuoso coração.

Você espera descansar e sair do labirinto sozinha.
Mas ouve uma falha na comunicação e você não leu as entrelinhas.
E entre mentiras e olhos vendados você procura um amor.
Cercada por poeira e ossos só encontrou o rancor.

Das janelas noturnas eu sinto os ventos frios do norte.
Enquanto me inspiro com os poetas e eruditos que venceram a morte.
Cercado por minhas pinturas e velas acesas.
Entre memórias de infância e uma atmosfera que te deixa ilesa.

Com a casa repleta de rosas vermelhas serei o seu anfitrião.
E com uma taça de vinho e uma língua maliciosa vou te tirar o grilhão.
Entre enigmas e olhares cansados descrevo-te a minha dor.
E ao final disso tudo, em teus braços, eu entro em torpor.

Thiago Rodrigues



ANJOS FERIDOS

Venha comigo meu anjo, não olhe pra trás.
Sua beleza é tão mórbida, quanto um jardim de lótus.
Eu sei que os sonhos caídos não estão mortos.
As palavras lúdicas, que te digo hoje, são reais.

Sempre me perco na neblina fria das noites.
Somos dois anjos feridos com cicatrizes vivas.
O absinto em nossas veias anestesia as feridas.
Sinto o sussurro frio e mórbido da morte.

Venha anjo ferido, não tenha medo.
Vou te conhecer por dentro como um gatuno.
Um espião antigo num jardim noturno.
Eu quero desvendar o seu último segredo.

Você mergulhou em meu caminho e deu-me a paz.
Trouxe-me a inspiração com seu rosto de pintura.
Gosto de sentir sua pele fria na mais alta arquitetura.
Escalou os meus sonhos distorcidos e me tirou do cais.

Ainda somos dois anjos feridos com cicatrizes vivas.
O absinto que aquece nossas veias anestesia as feridas.


Thiago Rodrigues.



ESPINHOS DO TEMPO

Entre minhas pinturas abstratas e surreais.
Vejo nascer à arte como há séculos atrás.
Eu mergulhei em teus olhos e dei-lhe a cura.
Como anjos dançando por terem fugido da tortura.

O sol está escondido e não pode nos denunciar.
E minhas páginas escuras assim vão continuar.
Com uma taça de vinho e entre abismos e quimeras cálidas.
Farei entre as asas das sombras uma pintura em sua pele pálida.

Sete espinhos do tempo em sete cores para despir.
Sete espinhos suspensos esperam sete dias pro fim.
Enclausurados por desejo e ambição, há uma fome não satisfeita.
Olhos cansados fitam o meu mundo, com as vendas da suspeita.

Sete espinhos escondidos nas curvas de suas costas nuas.
Enquanto rosas vermelhas caem sangrando pelas ruas.
A pintura tem vida e assassina à esfera de juízo.
O meu pincel desliza no caminho sul para o paraíso.

Thiago Rodrigues.




O REVELAR DA ALMA NUA.

O amor é uma quimera tortuosa e carente de respostas.
Muitos autores em seus delírios febris tentaram desvendá-lo,
Dando-lhe longos trajes teatrais e máscaras carnavalescas.
Tornando o acaso e a relatividade armas para entendê-lo.
O amor tem sido soterrado por hábeis atos de prestidigitação.

O homem sempre estará escondido em máscaras comportamentais.
Os interesses esculpem os diversos disfarces, que ocultam a alma.
Somos atores naturais e moldamos nossas identidades em jogos mentais.
Tornamo-nos signos e ficamos a mercê dos interpretadores, com calma.
Como pode nascer o amor junto ao blefe e a representação?

Deixamos no escuro os nossos medos e os pensamentos reprimidos.
Violamos nossos sonhos e deixamos a criança presa do armário.
Quem proclama esse amor não é a alma nua que está no abrigo,
Mas sim um dos muitos personagens do nosso vasto vestuário.
Se o amor, como a filosofia, busca a verdade, estamos em confusão.

Quem pode dizer quem é realmente, sem margem de erro ou dúvida?
Quem pode revelar limpidamente a sua alma tão escondida?
Quem pode amar a interpretação de um signo por toda uma vida?
Quem pode diante do espelho despir a alma e encontrar saída?
Com o revelar da alma nua o amor poderá sair da altercação.

Thiago Rodrigues.





METAFÍSICA

Você inspira-me a pintar o belo e destruir as cercas.
Consegue ser uma crítica ferrenha e acalentadora.
Nós somos tão voláteis e instáveis quanto a aurora.
Tão semelhantes, somos em nossas diferenças certas.

“Os opostos se atraem” disse um bastardo sem convicção.
Com efeito, isso acontece nas leis vigentes da física,
Mas o que temos transcende a física: como uma música.
Na metafísica, que é além da física, está nossa união.

Os semelhantes se atraem e os opostos se repelem.
O que é além da física o homem não destrói, por medo.
No que é sobrenatural a física não encosta o dedo.
Assim descrevo o que somos, é onde eu digo amém.

Que os opostos rasguem, com os estilhaços, a pele nua.
No grande espelho da discórdia, com suas bipolaridades.
Pois estamos juntos sem medo e sem corruptas banalidades.
Nunca hesitarei enquanto minha carne envelhecer junto à sua.

Thiago Rodrigues.




O PEQUENO PINTOR

Um garoto peralta e esperto eu conheço.
Não é bobo e tão pouco uma criança tímida.
Grandes histórias ele ouvia desde o berço.
Contadas com maestria pela mamãe querida.

Com as palavras ele brinca e expulsa o silêncio;
Como se fossem bolinhas de sabão no vento.
Apagar o ímpeto de uma criança é o pior dos vícios.
Pois deixa a criança no vazio do sofrimento.

Enquanto as crianças normais “pintavam” o sete.
Ele pintava, comigo, um belo quadro colorido.
Colocando as impressões digitais no mundo da arte.

Nossa amizade é forte e não é como essas de vidro,
Ela vai durar tanto quanto a primeira pintura dele.
Pintura imortalizada pelo pequeno pintor, comigo.


Thiago Rodrigues.


Nascimento de Vênus

A pálida dos cortes internos vem em meus sonhos.
Numa noite fria que dilacera meus olhos.
Eles roubaram minha cura ávida.
Tragam de volta minha alma esquálida.

Eu senti o nascimento de Vênus.
Em agonia eu sinto a falta nas pontas dos dedos.
A pálida dos cortes internos tocou minha íris com a língua,
Não conseguiu ver os antigos abismos que me deixam á míngua.

A cidade fria que tanto desprezo me faz uma nostálgica falta agora.
Minha serotonina ficou nos bolsos de Vênus quando fui embora.
As asas não escondem mais as cicatrizes frias do meu anjo caído.
Mas ela renascerá mais uma vez das cinzas do seu lamurioso abrigo.

Eu não jogo sal em antigas feridas, pois ainda há espaço para as novas.
A pálida tem o mapa do labirinto tortuoso da minha mente em lavas.
Quero que meus dedos sempre toquem o nascimento de Vênus com euforia;
Enquanto minha carne recebe o triste beijo do tempo sem anestesia.


Thiago Rodrigues.




A PENÚRIA DA AUSÊNCIA.

Minha alma curva-se e chora com a falta.
Sim, a falta da minha pintura viva e tangível.
Que mesmo longe toca meu ser triste e perecível.
A saudade molda os sentimentos que nos mata.

Escrevo irascivelmente minhas dores e angústias.
Só uma droga, pode tirar-me os despojos da penúria.
Só a embriaguez dessa pintura pode curar minha fúria,
Pelas crises existenciais que inflamam as minhas vísceras.

Corpos cruzam meu caminho, mas não sinto o tempo,
Jogando xadrez com a morte, valendo meu último fôlego.
Só me resta o rei e duas torres no seu impetuoso jogo.

Ela diz que ganhar dela é um esforço para abraçar o vento.
Sigo inabalável jogo à dentro, com o que ainda tenho de paciência.
Pois sei que o tempo não é o mesmo quando se está na penúria da (...)


Thiago Rodrigues.




CANCELE SEU ANALISTA

Você aí com a foice na mão tentando achar o pulso,
Pelado no escuro com os braços cortados e sem ar.
Você aí no corredor ficando mais fraco com as torturas,
Quebrando suas garrafas e arrombando as portas.

Você aí no sexto andar esperando só um impulso,
Com o rosto no aquário tentando ouvir o mar.
Você aí em coma caçado por miríades de criaturas,
Tentando digerir suas visões confusas e tortas.

Você aí com um álibi na manga domando muitos falos.
Com a rosa cheia de larvas e o clitóris inchado.
Cancele o seu analista, ele não vai mais lhe curar.

Você aí com a destruição com síndrome de cacos.
Desperdiçando a vida até o amanhecer dos fracos.
Diga adeus ao golpista, ele não vai mais lhe drogar.

Thiago Rodrigues.




DIÁLOGO COM O SUÍCIDIO

Boa noite meu caro, eu sou o suicídio e vim acordar-te.
Procuro pelas almas visionárias e viúvas da esperança.
Você despertou minha atenção e decidi encontrar-te.
Para provar que sua busca resume-se à minha herança,
Pois a morte é minha mentora, mas temos clientes distintos.

Como ousa interromper os sonhos em meu frágil sono?
Surge com seu corpo esguio, esgueirando-se pelas paredes.
Sussurrando em meus ouvidos palavras polidas pelo engano.
Já me basta a presença da morte que não pode saciar sua sede.
Ainda tenho que ouvir sua sedução como se eu fosse um dos famintos?

Meu caro, sou um ente poderoso e tenho sido muito solicitado.
Encontrar-me é a comprovação fidedigna do livre-arbítrio.
Escolher ativamente o instante do fim inevitável, num ato conjurado.
O poder de escolher a não existência é meu grandioso ofício,
E entrego-me a poucos, pois muitos são os que me procuram.

O livre-arbítrio é uma armadilha psicológica e tendenciosa,
Arrasta o homem às escolhas com múltiplas e afiadas motivações.
Fazendo eles se sentirem livres para abraçar a culpa vergonhosa.
Enquanto que nas entrelinhas: essa falsa liberdade camufla os grilhões.
Que parceria tem a vontade carnal com esse livre-arbítrio cego e estéril?

Não desperte minha ira, jovem insolente, estou dando-lhe um presente.
Ofereço-te um poder de escolha que foi negado até aos anjos caídos.
O homem nunca pediu a existência e foi jogado num jogo contingente.
O homem é o acidente orgânico do pós-coito híbrido dos acorrentados.
Diante dessa entropia entrego-me a ti, pois nem Deus pode ter-me.

Como pode alegar livre-arbítrio se até você seduz e corrompe as almas.
Os anjos não podem tocá-lo por que são imunes a seus argumentos.
Você rouba a endorfina dos desesperados, inflamando-lhes os dramas,
Brinca com a serotonina e espera o suspiro do último dos movimentos.
 você é só um ato de expurgação extrema e mortal.

Você esquiva-se como alguém que encontrou o ente Mutilação.
Ele invade e interrompe o meu trabalho sempre no último instante.
Ele espalha seus cortes e desperta meus clientes do torpor e da aflição.
Como um paliativo que se impõe ao meu evangelho inebriante.
Sendo assim, vejo que já encontraste esse ente em tempos antigos.

Decerto, já estive com esse ente por motivos diversos e reais.
Há muito tempo eu o agradeci e disse-lhe adeus para sempre.
Pois a música é minha amante e a pintura é o algoz das minhas leis.
A poesia é a guardiã das catedrais suspensas em minha mente.
E a filosofia o oráculo dos meus sonhos e das minhas visões.

A arte é uma aliada poderosa para uma alma nua e sedenta.
Suas nobres companhias possuem armas letais e dilacerantes,
Contra tudo que há de mais temido no homem que soluça e lamenta:
Os monstros vorazes que moram no outro lado com suas correntes.
Sendo assim, partirei agora e, por ora, deixarei você dormir em paz.

O Suicídio / O Visionário


Thiago Rodrigues.




3 comentários:

  1. Olá Thiago, espero que estejas bem, pelo que li tu escreves muito bem e queria fazer-te um pedido. Por acaso eu não poderia usar o teu poema "Esporro da Mutilação" para um trabalho que eu e umas colegas minhas estamos a fazer sobre a automutilação?

    Seria uma honra se autorizas-te, claro que te dariamos os devidos crédittos. Fica bem e esperamos ansiosamente a sua resposta.

    Podes contactar-nos por:

    animangacion@hotmail.com

    Obrigada pelo tempo despensado e tenha o resto de um bom dia.

    Os mais respeitaveis cumprimentos por parte de Joana, Íris e Ana.

    ResponderExcluir
  2. Venho lhe dá os Parabéns, escreves muito muito bem, gostei muito de tuas escritas e estou lhe seguindo, Boa noite durma bem. Jp

    ResponderExcluir